Recentemente o Brana deparou-se com um novo desafio: projetar o hardtop de uma embarcação que não possuía arranjo geral, especificações e/ou medição confiável para qualquer alteração que fosse feita. Eis um cenário comum na náutica brasileira, em que boas embarcações são construídas empiricamente, sem a devida documentação ou a técnica de um projeto e participação de um projetista qualificado.
A prática da construção naval sem um projeto de fato pode acarretar em grandes dificuldades para se trabalhar com o barco, sobretudo quando se trata de possíveis modificações ou estudos aprofundados sobre os enlaces e comportamentos da estrutura em questão. Diante desse problema, o time do BRANA se viu encarregado de trabalhar na medição e na representação do arranjo geral de um modelo de lancha de aproximadamente 38 pés.
A intenção deste artigo é explorar algumas das soluções pelas quais nosso time se deparou – e depara-se todos os dias – e analisar algumas sob o ponto de vista da aplicação para o construtor/proprietário amador, já que essas técnicas podem auxiliar o interessado em conhecer melhor seu próprio barco e, inclusive, permitir melhorias aprofundadas e intervenções que sem a apropriada abordagem podem causar danos irreversíveis à estrutura.
Existem alguns métodos modernos para se realizar esse trabalho. Dois deles são: o método de levantamento por medição com trena a laser (não confundir com laser scanning – mais caro e que exige equipamento próprio), que requer mais cuidado na montagem do equipamento e mapeamento da embarcação que, sob o ponto de vista técnico, exige maior rigor nas medições; e o método de fotogrametria, que tem sido largamente utilizado para construção de modelos tridimensionais, desde de peças de patrimônio museológico até na recriação de cidades inteiras.
Esta última técnica é geralmente conduzida com equipamento fotográfico operado manualmente, como câmeras e até celulares, ou drones e aeronaves que, para coberturas mais abrangentes – leia-se embarcações maiores e até cidades – pode fazer o serviço mais rápido e eficientemente. Em todos os casos o modelo é gerado por estereoscopia, ou seja, imagens que, sobrepostas criam o mesmo efeito da visão binocular humana e que, submetida a algoritmos específicos de sofwares, gera “instantaneamente” o modelo tridimensional.
Para abordar as medições, após algumas análises de viabilidade e pesquisas em busca do melhor método a se adotar, decidiu-se por usar a técnica de medição a laser, que apesar de mais complexa tecnicamente, é a mais simples de se aplicar com poucos recursos e por isso figura como primeira opção para os marinheiros de primeira viagem, inclusive.
O Desenvolvimento
Materiais Utilizados
- Trena a laser (Bosch GLM 50C)
- Tripé de Rosca
- Régua de Nível
- Régua de Nível Laser
- Prumo de peso
- Fitas adesiva e giz para marcação
Na primeira etapa, portanto, mapeia-se a embarcação, dividindo-a em um determinado número de balizas ao longo de seu comprimento (divisão longitudinal) e através das quinas de seu casco (divisão vertical, o que de certa forma faz analogia às linhas d’água da embarcação).
Um dos maiores desafios para essa medição é encontrar o prumo da lancha e, diante de sua posição (em geral no seco, em cima de uma carreta), achar e marcar pontos com o maior grau de confiabilidade possível. Garantindo o prumo e o nivelamento em relação ao plano horizontal, uma reta de referência de medição, paralela a embarcação, é traçada, de modo que desta é feito o eixo pelo qual movimenta-se o laser, apontado sempre para o costado. Dependendo do tamanho da embarcação, subdivide-se o comprimento em ao menos 10 balizas, contabilizando vante e ré. Seguindo a geometria do casco, mede-se a posição (distância medida da trena) de quinas (longitudinais e aparentes no costado), além da quilha e do sheerline, a linha de borda.
A medição ocorre uma vez que se sabe a distancia horizontal do eixo do laser até a lancha, a altura do laser em relação ao solo e a distancia e o ângulo do laser até o ponto desejado. Com essas medidas em mãos, em cada uma das balizas de referência, basta aplicar trigonometria simples para atingir os valores procurados nos eixos y e z (plano vertical). Desse modo, após uma manipulação dos valores obtidos para que o eixo de referência passe a ser a linha de centro da embarcação, é possível construir uma tabela de cotas de sua estrutura e em seguida modelá-la em um software CAD, como o Rhinoceros, por exemplo.
Por fim, a partir da tabela de cotas, pode-se utilizar um software de modelagem para traduzir os pontos em marcadores para geração de um modelo tridimensional do casco. É importante notar que esse é o problema maior desse método que, por exigir um passo intermediário de tabulação dos pontos para posterior modelagem, acarreta em alguns erros de forma que devem ser resolvidos posteriormente, in loco, conferindo medidas divergentes na própria lancha.
O resultado, no entanto, pode-se mostrar suficientemente acurado para aplicações rápidas de conferência de linhas, alterações de forma ou avaliações de estabilidade, por exemplo.
Sobre o Autor
Luiz Felipe Bauzer (colaborador)
Graduando em Engenharia Naval e Oceânica pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, estudou projetos de veleiros durante sua estada como estudante na Universidade de Strathclyde, na Escócia, e foi estagiário no BRANA em 2019.