Chegamos à fase de começar a colocar a mão na massa. Se você quer desenhar um barco, precisa essencialmente de duas coisas: uma boa ideia e um bom método pra colocar essa ideia na prática. Ter um método significa essencialmente escolher uma maneira de organizar suas ideias de forma que façam algum sentido. Pense só: você sabe qual barco quer desenhar, tem tudo na cachola já pronto, mas não faz ideia de quais passos seguir e em que ordem. Esse é o primeiro momento em que nos vemos frente a algo que pode nos fazer parar com todo o processo. E não é isso que queremos, certo?!
Para começar a vencer esse obstáculo, vou dar aqui uma dica de como organizar essas ideias. Essa dica remonta à década de 50, quando um cara chamado Harvey Evans criou o conceito que hoje conhecemos por “Espiral de Projeto” e que é aplicado a uma infinidade de processos industriais, justamente para organizar cada tarefa, uma em relação à outra. Nós queremos aplicar esse conceito, tal como tantos outros projetistas navais, ao nosso processo de desenvolvimento de projeto e, uma vez que tenhamos a nossa espiral pronta, teremos um fluxo de trabalho iterativo a seguir. Digo iterativo porque a espiral que vamos montar vai reunir todas as tarefas que temos pela frente para concluir o projeto básico em sua totalidade, mas deveremos repetir a sequência tantas vezes quanto acharmos necessárias, refinando nossos cálculos afim de que tenhamos um resultado mais próximo do que queremos ou do que precisamos ter.
Nós vamos ver, ao longo desse curso, que muitas coisas são inicialmente supostas antes de serem confirmadas nas iterações seguintes porque cada tópico a ser avaliado na espiral é, na verdade, dependente de outro que ainda não foi avaliado, e assim por diante. Para não nos perdermos em tantos números, vamos mantendo a memória de cálculo para cada iteração, atualizando os valores à medida que progredimos. A coisa está ficando muito complicada? Então arregacemos as mangas e vamos começar a trabalhar!
A figura abaixo mostra a espiral de Evans, retirada do artigo original do autor.
Vemos então porque essa figura recebe o nome de espiral. Ela passa diversas vezes pelos mesmos pontos, que são, por sua vez, dispostos em uma sequência pré-determinada e fixa, seguida diversas vezes em direção ao fim do projeto.
Nesse momento, não daremos importância aos nomes em inglês que a figura mostra. Nossa meta é dar nomes aos bois, ou seja, elencarmos nossas tarefas e darmos uma ordem definida a elas, que seguiremos até o fim do nosso projeto. Para isso, devemos nos ater à ideia de barco que temos. Para isso, precisamos saber claramente que barco é esse e a que objetivo principal ele será destinado. Por isso nossa discussão anterior sobre seu objetivo com um barco, lembra?
Nós chamaremos esse objetivo principal do barco de expectativa principal. E será essa expectativa que nos guiará pelas etapas de projeto e o caminho mais curto para executá-las.
Vamos organizar nossas ideias, então na forma de um fluxo. Esse fluxo deve partir da nossa expectativa e seguir no sentido de concretizar nosso projeto. Daí começamos a dar forma ao nosso planejamento. Veja o exemplo a seguir, de um fluxo de trabalho para o projeto básico de um catamarã de charter a vela.
Observe que assim, a espiral de projeto ganha uma outra forma, de um fluxograma, em que a ordem da espiral é seguida e refinada, ou seja, cada um dos itens da espiral é desmembrado em três fases de trabalho: a síntese, a análise e a avaliação.
Vamos usar exemplos práticos para ilustrar. Supondo que somos os projetistas desse catamarã do exemplo, e que para nós o mais importante no projeto, a nossa expectativa principal, é de que tenhamos o conforto como prioridade. Então minha espiral de projeto seria mais ou menos assim:
Observe que nós organizamos os parâmetros de projeto, as grandes áreas dessa nossa espiral, de forma totalmente diferente daquela que mostramos acima. Isso mostra como o processo de trabalho é influenciado pela decisão da expectativa principal. Nós começamos a definir nosso barco a partir das acomodações, neste caso, para que tudo passasse a orbitar as decisões que tomamos ao começar a definir as acomodações.
E veja que o termo Acomodações da espiral, passa a ser, no fluxograma, o que guiará a análise do nosso Arranjo Geral e que, por conseguinte, guiará nossa avaliação em relação ao Conforto. A esse termo “Acomodações”, damos o nome de Síntese, enquanto que Arranjo Geral é uma das análises que podemos fazer das Acomodações e que por fim é avaliado através do nível de Conforto. Este é apenas um exemplo. Você deve fazer esse mesmo exercício para todas as demais Sínteses que podem haver no seu projeto, como a própria Forma do Casco, a Estrutura, e assim por diante, construindo um fluxo de análises e avaliações progressivas.
Você não deve se ater aos detalhes desse intricado método. Os profissionais estudam essa teoria e passam a plicar tantas vezes que já a visualizam sem nem sequer entrar em detalhes. Essa dica deve te servir como guia para a construção do seu planejamento. Isso porque esses são os passos naturais para se poder estruturar as tarefas que virão, respondendo à mais aterrorizante pergunta de todas: “por onde eu devo começar”? O mais importante é que, independente da estratégia que você monte para definir o seu projeto, você avalie cada passo, cada uma das etapas que você estipular, revisitando-a sempre que for necessário e respeitando a ordem que você definiu. Assim, você cria exatamente esse fluxo na sua cabeça e não perde detalhes importantes, que passariam desapercebidos ou que seriam relegados ao acaso se você não atentasse para eles.
Então tome isso como sua primeira tarefa ao começar o seu tão sonhado projeto. E lembre-se dos passos que um projetista tomou a cada barco que você analisar e estudar. Eles nada mais são que esse emaranhado de suposições e decisões sobrepostos até que essa forma se concretize. Complicado? Nem tanto. E viva os fluxogramas!