Aproveitando um pouco esse gancho das Olimpíadas Rio 2016, achamos válido apresentar um pouco do que são as classes olímpicas, afinal, são os barcos que estiveram mais próximos de nós nas últimas duas semanas. Claro que cada uma dessas classes tem suas particularidades e os detalhes são tantos que não faria sentido nos estendermos ad infinitum aqui por cada um desses barcos. Vamos então mostrar um pouco da história dessas classes e, claro, da geometria que favoreceu tanto a popularidade delas.
Martine Grael e Kahena Kunze acabam de ganhar o ouro na classe 49er FX, então porquê não começar por essa novíssima classe olímpica?
O 49er é um skiff de dois tripulantes, introduzido nos jogos olímpicos em Sydney, 2000. Foi concebido no fim da década de 80 por dois velejadores neo zelandeses da classe Internacional 14. Um deles era Julian Bethwaite, filho de Frank Bethwaite que foi o autor do aclamado livro “High Performance Sailing”. Eles pretendiam desenhar um monocasco ágil perfeito, que resultou no 49er. Há relatos que apontam para a intenção dos projetistas de projetar um barco que atendesse às necessidades do Comitê Olímpico Internacional (COI), tornando a classe olímpica. De fato, segundo o próprio site da classe, em setembro de 1996, o COI convocou os melhores velejadores do mundo para testarem aqueles que eram os barcos a serem considerados para a edição seguinte dos jogos olímpicos de verão, que se dariam em Sydney, Australia, em 2000. Em novembro de ’96 a ISAF anunciou oficialmente a entrada da classe nos jogos e a partir daí iniciou-se uma corrida para vender (e atender à enorme demanda) os barcos nos principais mercados mundiais, como a Europa e a América do Norte. O estaleiro Ovington Boats, em Tynemouth, Reino Unido, tomou a responsabilidade de construir as unidades para o grande mercado Europeu.
Na primeira edição dos jogos que incluiu o 49er como classe no programa da Vela, correram 17 tripulações e subiram no lugar mais alto do pódio os finlandeses Thomas Johanson e Jyrki Jarvi.
O nome 49er refere-se ao comprimento, 4,99 metros, com uma boca (largura) de 2,9 metros. O casco é construído em GRP (Glass Reinforced Plastic), a famosa fibra de vidro, o que acelera o processo construtivo das tantas unidades, através da construção pelo método de plug, fôrma e casco, com sanduíche de espuma PVC, com algumas partes reforçadas em carbono. Suas velas, três no total, são feitas de kevlar (grande e buja) e de nylon (para o spinnaker – vela de popa e través).
O formato do casco, com fundo em “V” na proa e mais plano à popa evidencia um casco planador, que beneficia-se das altas velocidades derivadas da sustentação dinâmica, efeito típico de embarcações que alcançam velocidades que outras de mesmo tamanho, mas de deslocamento, não conseguem. Além disso, por ter uma boca bastante estreita, tem melhor estabilidade dinâmica, ou seja, uma melhor capacidade de se manter estável quando velejando em altas velocidades. A área vélica, bastante grande para o tamanho do barco, tem quase 20 metros quadrados quando a vela grande e a buja estão içadas. Para se ter uma ideia, um Laser, veleiro de apenas um tripulante e também de planeio, tem área vélica de apenas 7,06 metros quadrados.
O barco é comparável a uma miniatura de skiffs de alto desempenho, como o australiano Skiff 18. Ainda que com um tamanho 85% menor que seu primo maior, consegue alcançar velocidades parecidas em condições ideais, característica que o faz figurar entre os barcos de maior desempenho entre os monocascos, tal como desejava seu projetista – e o COI – ao apostar nesse conjunto de projeto.
Tal como uma miniatura, também segue a anatomia do Skiff 18, com asas em cada bordo, que aumentam o braço de aplicação da força que a tripulação exerce e que equilibra a tremenda força na vela, sobretudo em orça.
Depois de quatro ciclo olímpicos desde a sua introdução, a classe ganha, em 2012, um refinamento técnico para poder receber tripulações mais leves. Surge então o 49er FX, introduzido nas Olimpíadas como classe feminina, já que foi projetado para que tripulações com até 120 quilos somados pudessem então passar a correr nos 49er’s sem prejuízo virtual de velocidade em quaisquer condições de vento, dada a proporcionalidade dos arranjos.
De acordo com a própria associação internacional da classe, que reúne tanto os 49er’s convencionais quanto os FX, não há quase diferença de desempenho entre os barcos, seja em vento de popa quanto em contravento. As mudanças foram mais evidentes na mastreação, na vela grande (principal vela) e na vela gennaker (vela de vento de popa), ganhando em tecnologia para serem capazes de terem suas eficiências aumentadas mesmo com o tamanho reduzido. A razão de aspecto (razão entre altura e largura) das velas foi reduzida, diminuindo a altura do centro de pressão das velas, facilitando a velejada com menor contra-peso da tripulação.
A classe, ainda muito jovem, certamente ainda sofrerá muitas alterações ao longo dos muitos mais ciclos olímpicos que terá no futuro dos jogos, e traz um novo padrão de desempenho para as raias, acompanhando a evolução da vela mundial que se vê em campeonatos importantes como a America’s Cup e a Volvo Ocean Race. O 49er e o recém chegado Nacra 17 são expoentes dessa evolução que a vela se utiliza para ganhar visibilidade de um público que quer ver disputas cada vez mais emocionantes, e o 49er e o 49er FX estão aptos a atender a essa demanda.
Caramba, muito bom!
Continuem com essa série sobre classes olímpicas!